É meninas... eu passei por isso! Nas três gestações. A
sensação de impotência e tristeza tomaram conta de todo meu ser. Graças a Deus
que durou somente o período do meu resguardo. Mas ás mamães que passam por isso
atualmente, uma entrevista com o doutor Drauzio pode solucionar algumas
dúvidas:
É grande o número de mulheres que se queixa de certa
tristeza e irritabilidade depois que dão à luz. A criança nasceu perfeita, com
boa saúde, o pai está feliz, os avós também. Nada aconteceu de errado, elas
voltam com o bebezinho para casa, onde tudo foi preparado para recebê-lo, mas
são invadidas por uma espécie de melancolia que não sabem explicar. Se esse
sentimento for passageiro e desaparecer em alguns dias, não há motivo para
preocupação. Seu organismo passou por verdadeiras revoluções hormonais nos
últimos tempos que podem ter mexido com o sistema nervoso central.
Há mulheres, porém, em que a
tristeza aparece algumas semanas depois do parto, vai ficando cada vez mais
intensa a ponto de torná-las incapazes de exercer as mais simples tarefas do dia a dia,
e elas passam a demonstrar apatia e desinteresse por tudo que as cerca.
Num passado não muito distante, esses sintomas não eram
valorizados; ninguém falava em depressão pós-parto. Os transtornos de humor
eram considerados traços da personalidade feminina. Sem diagnóstico nem
tratamento adequado, ou a doença se resolvia espontaneamente ou tornava-se
crônica.
DIFERENÇA ENTRE TRISTEZA E
DEPRESSÃO PÓS-PARTO
Drauzio – Qual a diferença básica entre
tristeza e depressão pós-parto?
Frederico Navas Demetrio – É importante estabelecer essa diferença. A tristeza
pós-parto é quase fisiológica. Dependendo da estatística, de 50% a 80% das
mulheres apresentam certa tristeza, certa disforia e irritabilidade que têm
início em geral no terceiro dia depois do parto, dura uma semana, dez,
quinze dias no máximo, e desaparece espontaneamente. Já a depressão pós-parto
começa algumas semanas depois do nascimento da criança e deixa a mulher
incapacitada, com dificuldade de realizar as tarefas do dia a dia.
Drauzio – Existe explicação
neurobioquímica para a depressão pós-parto?
Frederico Navas Demetrio – O pós-parto é um período de deficiência hormonal.
Durante a gestação, o organismo da mulher esteve submetido a altas doses de
hormônios e tanto o estrógeno quanto a progesterona agem no sistema nervoso
central, mexendo com os neurotransmissores que estabelecem a ligação entre os
neurônios. De repente, em algumas horas depois do parto, o nível desses
hormônios cai vertiginosamente, o que pode ser um fator importante no desencadeamento
dos transtornos pós-parto. Mas esse não é o único fator. Todos os sintomas
associados ao humor e às emoções são multideterminados, ou seja, não têm uma
causa única. Portanto, não é só a deficiência hormonal que está envolvida tanto
na tristeza pós-parto, quanto no quadro mais grave que é a depressão pós-parto.
Drauzio – Que fatores são esses?
Frederico Navas Demetrio - Mulher com história de depressão no passado, seja
relacionada ou não com o parto, ou depressão durante a gravidez (quadro menos
frequente, mas também possível) está mais sujeita a desenvolver transtornos
depressivos. Alguns fatos, por exemplo gravidez não desejada ou não planejada,
causam aumento do estresse ao longo da gestação e podem contribuir para o
aparecimento do problema.
Drauzio – Como você distingue a simples
tristeza pós-parto de curta duração que passa espontaneamente da
depressão que precisa ser tratada adequadamente?
Frederico Navas Demetrio –. Diante de um paciente com palidez cutânea que reclama
de fraqueza, o médico pede um hemograma que confirma o diagnóstico clínico de
anemia. Em psiquiatria, não existem exames complementares para respaldar o
diagnóstico, que depende basicamente dos sinais e sintomas que a pessoa
apresenta, de como eles se manifestam ao longo do tempo e de sua intensidade.
Outro conceito importante para distinguir a tristeza da depressão pós-parto é
determinar se o transtorno é disfuncional, isto é, se interfere na vida do dia
a dia.
DIAGNÓSTICO
Drauzio – Quando começam a aparecer os
sintomas de tristeza?
Frederico Navas Demetrio - A tristeza pós-parto surge dois ou três dias depois de
a mulher dar à luz, em cinco dias atinge o máximo e some em dez dias. A
depressão instala-se lentamente; só de quatro a seis semanas depois do parto o
quadro depressivo torna-se intenso. É uma doença que exige tratamento mais
agressivo com medicamentos.
Por isso, se atendo uma mulher, uma semana depois de ter
dado à luz, com os sinais clássicos de tristeza puerperal, que pode ter sido
desencadeada até por privação do sono – às vezes, o bebê acorda muito à noite –
e por mudanças hormonais, recomendo que espere um pouquinho, pois essa sensação
desagradável poderá desaparecer em alguns dias sem deixar vestígios. Ao
contrário, se os sintomas foram se instalando gradativamente ao longo de várias
semanas e ficando piores a cada dia, ela pode estar desenvolvendo um quadro de
depressão pós-parto.
Drauzio – Isso quer dizer que, num primeiro contato, é muito difícil
estabelecer o diagnóstico com clareza.
Frederico Navas Demetrio – É difícil. Entretanto, se a moça deu à luz há mais de
um mês e a tristeza continua intensa, é grande a probabilidade de estar com
depressão pós-parto. Fechar o diagnóstico, porém, depende dos sintomas que
apresenta e de como e quanto eles estão interferindo no seu dia a dia.
Drauzio – Com que frequência aparecem os
casos de depressão pós-parto?
Frederico Navas Demetrio – Segundo revelam as estatísticas americanas, a depressão
verdadeira, essa que surge várias semanas depois do parto e requer tratamento
específico, acomete em torno de 10% a 15% das mulheres, o que é um número muito
alto.
Drauzio – Essas mulheres recebem o
diagnóstico de depressão quando manifestam os sintomas?
Frederico Navas Demetrio – Infelizmente, a maior parte dessas mulheres não fica sabendo
que está deprimida e atribui os sintomas ao estresse, ou não tem suas queixas
valorizadas pelo companheiro, nem pelo pediatra que atende a criança, nem pelo
obstetra que acompanha o pós-natal. Como o início não é abrupto, o transtorno
assume ares de algo fisiológico, sem importância, e elas não recebem o
tratamento adequado. O resultado é que, às vezes, o quadro pode resolver
espontaneamente, mas, em muitas outras, pode tornar-se crônico.
SINAIS DE ALERTA
Drauzio – Como a mulher que está se
sentindo meio entristecida depois do parto pode perceber que aquilo é algo
passageiro, ou sintoma de uma depressão mais grave?
Frederico Navas Demetrio – Para a mulher que deu à luz há poucos dias, é quase
certo que os sintomas desaparecerão espontaneamente em duas ou três semanas. No
entanto, aquelas que deram à luz há um mês, um mês e meio, e estão cada vez
mais tristes, precisam prestar atenção em alguns sintomas fundamentais.
O primeiro é que a tristeza não está relacionada só com o
nascimento da criança. Não está restrita ao fato de não se considerar boa mãe
nem suficientemente capaz para cuidar do bebê. A tristeza permeia outros
contextos de sua vida. A mulher deprimida perde o interesse pelo programa de
televisão que gostava de ver, pelas leituras que lhe davam prazer, pela
profissão. Às vezes, a licença-maternidade está chegando ao fim e ela pouco se
importa com a perda do emprego se não reassumir o cargo.
Outros sintomas são a sonolência, a falta de energia
durante o dia inteiro, o desinteresse pelo marido, o desejo sexual que não
retorna e as alterações do apetite para mais e para menos. Algumas ficam
famintas e comem muito. Outras nem podem chegar perto dos alimentos.
A ansiedade faz parte também do quadro de depressão
pós-parto. A mulher tem ataques de pânico sem ser portadora desse transtorno ou
pode desenvolver comportamentos obsessivos em relação à criança como
agasalhá-la demais ou verificar a cada instante se ela está respirando.
Drauzio – Toda mulher faz isso quando tem
um filho. Como saber se esse sintoma faz parte de um quadro patológico?
Frederico Navas Demetrio – Na depressão pós-parto, esse comportamento é exagerado
e está associado a muita tristeza. Acima de tudo, o sofrimento é enorme e a
pessoa está consumida pela sensação de fim de linha e de sua capacidade para
sair daquela situação. De qualquer forma, repito, é sempre preciso considerar o
conjunto dos sintomas para fechar o diagnóstico.
PREVALÊNCIA
Drauzio – A depressão
pós-parto é mais frequente no nascimento do primeiro filho ou aparece também
nas outras gestações?
Frederico Navas Demétrio – Depende dos antecedentes da mulher. Se ela teve
depressão no pós-parto de um filho, a possibilidade de repetir o quadro em
outra gestação é de 50%.
Na verdade, a recorrência da depressão é muito alta. Ela
é considerada uma doença episódica recorrente e a tendência é manifestar-se
novamente se repetida a situação em que surgiu pela primeira vez.
Drauzio – Mas isso acontece também com a depressão comum…
Frederico Navas Demetrio – Ocorre, sim. Em 50% dos casos, quem teve depressão uma
vez vai repetir o quadro em algum momento da vida. Se ela se manifestou no
período pós-parto, cerca de 30% das mulheres correm o risco de desenvolver a
doença fora desse período.
Drauzio – A mulher que teve depressão na
adolescência ou na vida adulta corre risco maior de desenvolver depressão
pós-parto?
Frederico Navas Demetrio – O risco de depressão pós-parto é maior se a mulher
desenvolveu um episódio depressivo anteriormente, mesmo que tenha sido tratada,
ou se teve depressão durante a gravidez. Anos atrás, considerava-se que as
doses elevadas de hormônios presentes durante a gestação protegiam a mulher.
Hoje se sabe que não é bem assim. Mulher grávida também está sujeita a ter
depressão. Como, muitas vezes, ela interrompe o tratamento temendo que a
medicação possa prejudicar a criança, o risco de a doença agravar-se depois do
parto aumenta muito.
TRATAMENTO
Drauzio – Há medicamentos para tratar a
depressão seguros para o feto?
Frederico Navas Demétrio – Há medicamentos seguros. Tanto os mais antigos, os
tricíclicos, quanto os mais modernos, como os inibidores de recaptura da
serotonina, são seguros quer em termos de malformações quer como agentes
neurocomportamentais, ou seja, não provocam malformações na criança nem
alterações em seu comportamento. Acompanhados até a idade pré-escolar, os
filhos de mulheres que engravidaram tomando esse tipo de medicação não
mostraram nenhum transtorno comportamental.
Há alguns anos, o tratamento de escolha para a depressão
durante a gravidez era o eletrochoque. Hoje, ele só é indicado para casos
muito graves, com risco de suicídio e que exigem resposta rápida.
Drauzio – Se tomados durante a
fase de amamentação, esses remédios podem prejudicar a criança?
Frederico Navas Demetrio – Durante a gestação, esses medicamentos não interferem
na formação da criança, porque dentro do útero ela não faz esforço
respiratório. Depois que nasce, porém, seu efeito sedativo pode passar pelo
leite e o perigo existe. Por isso, são indicados alguns antidepressivos
específicos que passam menos para o leite materno e o esquema é discutido com a
mulher. Uma das sugestões é desprezar o leite colhido algumas horas depois de
tomada a medicação, aquele em que os componentes da droga estão mais
concentrados, e oferecer o colhido mais tarde. Isso diminui a exposição da
criança ao antidepressivo e permite utilizá-lo durante o aleitamento.
]Drauzio – O uso da medicação é
sempre fundamental no tratamento da depressão pós-parto?
Frederico Navas Demetrio – É sempre fundamental. Embora algumas depressões
desapareçam espontaneamente, uma porcentagem significativa se cronifica. E tem
mais: se não for tratado, o episódio agudo pode deixar um resíduo que se confunde
com a distimia, uma forma de depressão mais leve, crônica, que interfere na
capacidade de raciocínio e no desempenho funcional. Muitas vezes, essa
depressão contínua é considerada um traço da personalidade da mulher e nenhuma
providencia efetiva é posta em prática.
Drauzio – A psicoterapia também ajuda a
tratar da depressão?
Frederico Navas Demetrio – Como a depressão em geral tem múltiplos fatores
determinantes, isto é, não é provocada só por condições biológicas, mas tem
fatores sociais e familiares envolvidos, a psicoterapia individual ajuda a
mulher a lidar melhor com o problema e a descobrir que tem um potencial que
precisa ser estimulado.
Drauzio – Nos casos em que
a depressão não é diagnosticada e evolui sem tratamento, há risco de suicídio?
Frederico Navas Demetrio – Embora localizada no período pós-parto, a depressão se
comporta da mesma maneira que nas outras fases da vida, e o risco de suicídio
existe. No caso específico da depressão pós-parto, a forte ligação entre mãe e
filho acaba protegendo um pouco a mulher. Mas, se a evolução da doença for
muito negativa e os sintomas se agravarem progressivamente, ela pode chegar à
conclusão de que é realmente incapaz de cuidar da criança e, infelizmente,
cometer suicídio.
Drauzio – Muita gente confunde depressão
pós-parto com os casos de psicose em que a mãe agride e eventualmente mata o
filho. Existe alguma relação entre essas duas doenças?
Frederico Navas Demetrio – Depressão pós-parto e psicose puerperal são quadros
muito diferentes. Felizmente, os casos de psicose são raros. A prevalência é de
um caso para cada cem mil nascimentos.
O início da psicose puerperal é precoce. Durante a
primeira semana depois do parto, a mulher perde o contato com a realidade e
começa a acreditar em coisas que não existem, a ouvir vozes, a ter a sensação
de incorporações com entidades, delírios e crenças irracionais.
Às vezes, imagina possuir superpoderes e pode lesar a
criança não intencionalmente, mas porque acha que pode voar e atira-se pela
janela com o bebê no colo. Essa doença muito grave é bem diferente da depressão
que começa várias semanas depois do parto e evolui gradativamente.
PERGUNTAS ENVIADAS POR E-MAIL
Paula Marcela – Umuarama/PR – Qual é a importância do ato de amamentar na prevenção da depressão
pós-parto?
Frederico Navas Demetrio – O ato de amamentar é importante para a mãe e para a
criança não só no sentido nutricional ou de transmitir anticorpos, mas também
para fortalecer a ligação mãe-filho. O aleitamento materno deve ser estimulado,
porque é bom para a mulher e para a criança e, eu diria, porque também é um
fator de proteção social.
Agora, ao menos pelo que pôde ser detectado nas pesquisas
até agora, amamentar não traz nenhum acréscimo na proteção contra os
quadros depressivos depois do parto.
Karina Anjos – Curitiba/PR – Em relação ao filho, o que a mãe pode fazer quando
está com depressão pós-parto?
Frederico Navas Demetrio – Felizmente, os casos de agressão intencional ao filho
são bem pouco frequentes. O crime de infanticídio, previsto no Código Penal,
ocorre em 4% das psicoses puerperais. A ligação mãe-filho é tão intensa que
mesmo a mulher psicótica, sem contato com a realidade, em raríssimos casos mata
a criança intencionalmente.
Isso não significa que a depressão materna não possa
prejudicar a criança. Mulher deprimida cuida menos de si própria e, por tabela,
cuida menos do bebê, estimula-o emocionalmente menos e tem menos interesse em
amamentá-lo ou em brincar com ele.
Por isso, essas crianças acabam tendo um desenvolvimento neuropsicomotor mais
lento, começam a falar e a andar mais tarde, o que não quer dizer que esse
retardo no crescimento não possa ser compensado depois.
Às vezes, o desinteresse por tudo que a cerca chega a tal
ponto, que ela deixa de dar as vacinas, mas a agressão ativa ocorre mais
raramente, mesmo nos casos de psicose puerperal.
Pedrina da Rocha Leite Antonia
– São Paulo/SP – Existem formas de prevenir a depressão pós-parto?
Frederico Navas Demetrio – Não há como evitar o primeiro episódio de depressão
pós-parto. Podem desenvolver a doença mesmo mulheres sem antecedentes de
depressão, que queriam engravidar e tiveram uma gestação sem complicações obstétricas
e parto tranquilo.
No entanto, é preciso ficar de olho naquelas que já
manifestaram quadros depressivos anteriormente, no pós-parto, fora dele ou
durante a gravidez, porque a possibilidade de repetir o episódio existe, é
grande, e quanto antes o tratamento for instituído, melhor.
Na prática clínica, já tive a oportunidade de acompanhar a gestação e o
pós-parto de pacientes, mantendo contato primeiro com o obstetra e depois com o
pediatra (às vezes, ele atende mais a mãe do que o bebê), para não deixar
escapar nenhum indício do problema. Na verdade, a melhor forma de prevenir a
doença é a intervenção precoce.
Contribuição: http://drauziovarella.com.br